As mudanças reais na Igreja Católica
07 de agosto de 2013, quarta
Após sua primeira grande viagem e, sobretudo, após sua surpreendente e espontânea entrevista coletiva concedida no avião, cabe perguntar se o papa Francisco já deu passos reais no sentido de um pontificado de mudanças, ou se sua trajetória se reduz a significativos gestos simbólicos de grande força popular e midiática, mas nada além disso. Se há algo além dos seus sorrisos, mudança de residência e sapatos, carros menos luxuosos e proximidade visível às pessoas na linguagem e no contato físico sem proteção à prova de balas.
A resposta mais genérica é que sim. Sua linguagem não apenas revela popularidade e uma aproximação à terminologia atual, pela qual infelizmente se entende a primeira. Contém um elemento de ruptura que sacode as consciências e pode suscitar um despertar interior e uma nota especificamente nova: abrigar sua mensagem otimista, alegre e positiva. Dir-se-ia que trocou as contínuas pauladas, condenações e advertências às quais estávamos acostumados, por esquentar os ânimos, sacudir os fiéis e abrir um caminho na direção de horizontes de esperança.
Aos jovens disse que arrumem “confusões”; aos bispos que não se apresentem como “príncipes”, e a toda a Igreja que abandone velhos clericalismos e deixe de olhar para si mesma para se lançar às ruas e ao encontro das pessoas.
Mas, além disso, começou a abordar aspectos doutrinais, nos quais a hierarquia católica se havia movido desde João Paulo II numa espécie de involução revisionista do Concílio e numa pregação do “não” sistemático, com uma obsessão dominante por atalhar os pecados sexuais com certo esquecimento da moral social e econômica.
Disse-se, após a surpreendente eleição de Bergoglio, que o cardeal eleito para ocupar a sede de Pedro era um prelado com uma grande preocupação pelos pobres, mas conservador na doutrina. Evidentemente, não é alguém dado a rupturas radicais. Sua revolução aponta para o descalabro interior provocado pelas bem-aventuranças, não um corte com a tradição católica, mas contra a selvageria egoísta instaurada em nosso mundo pela economia de mercado.
Em sua viagem ao Brasil apontou explicitamente para o Estado laico, porque permite a liberdade religiosa. Nisto dá uma guinada de 180 graus em relação a João Paulo II, que era um fundamentalista neoconfessional declarado.
No governo interno da Igreja recalcou uma vez mais que prefere ser bispo de Roma a primus inter pares, o que significa destacar o aspecto da colegialidade sobre o velho-pontífice rei absoluto. Assinalou, na entrevista concedida no avião, sua intenção ecumênica, pois, como é do conhecimento de todos, a questão do primado romano é uma das que mais separa a Igreja de outras confissões. Também neste aspecto é preciso destacar os passos já dados na direção da limpeza do IOR, o banco vaticano e a corrupção interna.
E a tão traída e levada moral sexual? Outra novidade: a revisão da comunhão dos divorciados e em segunda união. Parece que Francisco anunciou uma revisão do polêmico tema das nulidades canônicas, com uma curiosa aproximação à Igreja ortodoxa, que admite a possibilidade de erros e a correção na indissolubilidade do primeiro casamento.
A respeito da mulher, embora tenha destacado sua importância na Igreja, com o conhecido recurso de que a Virgem Maria é mais importante que os apóstolos, reafirmou que a porta para o sacerdócio foi definitivamente fechada por João Paulo II. Não se fizeram esperar as reações das católicas feministas, que sempre defenderam que, enquanto não houver a ordenação de mulheres, nunca haverá igualdade. Se bem que o Papa insistiu na necessidade de estudar mais profundamente a teologia da mulher e não seria de se estranhar se lhe abrisse maior participação no governo da Igreja.
Mas, a pergunta mais explosiva poderia ter colocado Francisco em evidência: a penosa situação dos homossexuais crentes que querem continuar praticando sua fé. Isso lembra aqueles dilemas que os fariseus colocavam a Jesus: se o Papa respondesse que tendo uma vida ativa como homossexuais podem ser ao mesmo tempo católicos praticantes, situava-se fora da moral tradicional católica. E se dissesse o contrário, apontava para a crueldade que segrega o coletivo gay da Igreja. Francisco respondeu habilmente: “Quem sou eu para julgar um homossexual que quer ser religioso?”. Ninguém pode acusá-lo de mudar a doutrina e, no entanto, abre uma porta: a do santuário da consciência. De internis necaque Ecclesiae (Da intimidade da consciência nem a Igreja pode julgar), já diziam os antigos.
Portanto, o “pároco do mundo”, como os italianos já o chamam, segue desconcertando, não apenas pelos sorrisos ou com sua pasta de mão na escada, na qual trazia um livro sobre a menor das santas, Teresa de Lisieux, ou seu corajoso desafio a todos os killers que hoje andam soltos, senão acrescentando um plus de entranhas de misericórdia a uma sociedade rígida e gelada, e um grama de santa loucura, ousadia e entusiasmo a uma Igreja encapsulada no medo e nas normas. Não é pouca bagagem para um primeiro voo ao continente de maioria católica que começa a dar sinais de fraqueza na fé.
Religión Digital
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