Reparação à escravatura, um discurso que vem do século XVII

04 de junho de 2025, quarta Reparação à escravatura, um discurso que vem do século XVII

Teve lugar na Pontifícia Universidade Urbaniana em Roma, no passado dia 23 de maio de 2025, um encontro sobre “Temas espinhosos da missão cristã em África: uma releitura dialógica da história para novos percursos de evangelização frutuosa para a África de hoje.”

Foi promovido pela Associação de Estudantes dessa Universidade, Omnes Gentes, em colaboração com o Instituto de Ensino das Artes de Baltimore, nos Estados Unidos, fundado pela cantora e ativista, Kim Poole.

Um dos participantes no Encontro foi o historiador guineense, residente em Londres, José Lingna Nafafé, Professor Catedrático Associado de História Africana e do Mundo Atlântico, na Universidade de Brixtol, na Inglaterra.

Ele é também autor do livro em inglês, “Lourenço da Silva Mendonça e o Movimento Negro Atlântico Abolicionista no século XVII”, livro publicado em 2022 pela Cambridge University Press. Um livro com o qual José Lingna Nafafé venceu o prémio “Melhor Livro Académico do Ano”, atribuído pela Organização dos Estudos Africanos do Reino Unido.

Em entrevista à Rádio Vaticano, José Lingna Nafafé, ilustra o conteúdo do livro e explica que Lourenço da Silva Mendonça era um príncipe do Reino de Pungo-Andongo (na atual Angola) que, no século XVII, os portugueses mandaram para o exílio no Brasil, juntamente com outros 15 membros da família real, devido ao facto de dois membros daquele Reino, filhos de Filipe de Sousa, terem procurado, à morte do pai, fiel à coroa portuguesa, tornar Punga Ndongo, um reino independente. Do Brasil, foi exilado depois para Portugal, onde estudou e foi eleito Procurador Geral da Confraria dos Homens Pretos. Conhecendo as leis, ele percebeu que a escravatura era incompatível com a lei humana, a lei natural e a lei divina e chegou a tornar isso presente ao Sant’Ufizio, mediante a ilustração de documentos papais que levam até a demonstrar que já na altura (século XVII) se previam reparações pela escravatura.

José Lingna Nafafé considera a investigação sobre Lourenço da Silva Mendonça e a questão por ele enfrentada enquanto Procurador Geral de grande importância para a África de hoje e para toda a temática da reparação pela escravatura que o continente e a diáspora estão a levar avante.

Solicitado a dar a sua opinião sobre a oportunidade ou não de indemnizar os africanos, ele sublinha que aqueles que praticaram o Tráfico Transatlântico de Africanos e a Escravatura foram indemnizados, porque então não indemnizar as vítimas?!

Juntamente com José Lingna Nafafé, estiveram também na Rádio Vaticano, onde foram entrevistados, o Diácono nigeriano, Lanshina Emmanuel Gbatar e Patrizia Sterpetti.

Encontrar respostas para questões espinhosas

O Diácono Lanshina é estudante de Missiologia na Pontifícia Universidade Urbaniana e é membro da Omnes Gentes. Ele foi o principal impulsionador do tema do encontro. Sentiu-se movido para tal, pelo facto de, hoje-em-dia, muitos jovens em África e na diáspora se interrogarem sobre a credibilidade da evangelização. É que - explica - muitos pan-africanistas tendem a reescrever a história da África e nisto vem ao de cima que a Igreja nem sempre esteve alheia à questão da escravatura e do colonialismo. E dado que está a preparar-se para a missão evangelizadora, Lanshima diz sentir-se interpelado sobre toda esta questão dos jovens. O colóquio surgiu então com o intento de encontrar respostas sobre como encontrar enfrentar o assunto devidamente.

Embora se trate de um tema espinhoso, a proposta do encontro foi, prontamente, adotado e apoiado pelo Reitor da Universidade - esclarece Lanshina - pois tratando-se de uma Universidade ligada à evangelização e à missão, é habitual fazerem conferências sobre estes temas nessa Universidade, onde estudam muitos futuros padres da África e do mundo.

Justiça reparatória e pacífica

Já Patrizia Sterpetti, antropóloga, colaborou na realização do encontro enquanto presidente para a Itália da WILPH (Women International League for Peace and Freedom), de que faz parte também a Kim Poole.

Fundada em 1915, a WILFP, é a mais antiga associação de mulheres pacifistas.Tem 46 secções no mundo, 19 das quais em África e é atualmente presidida pela camaronesa, Sylvie Ndongmo.

Fomos chamadas a colaborar na realização deste evento importante, também para dar continuidade à cooperação que já tinha sido iniciada com o Papa Francisco com o objetivo de favorecer, neste ano jubilar, um diálogo capaz de imaginar uma evangelização que tenha em conta os valores e as tradições da África e favoreça uma justiça reparatória e pacífica - explicou Patrizia.

Por Dulce Araújo - Vatican News

Fonte: Vatican News

https://www.vaticannews.va